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Uma Travessia pela escrita


Talvez, a ideia para um curso como esse tenha aparecido há quase um ano, quando ainda na Casa Candieira, pensava em possíveis cursos para a comunidade de Ribeirão Preto, SP.


É provável que tenha sido antes. Há 3 anos, quando escrevi meu livro para o TCC da Pós-graduação em Artes-manuais para Educação, do Ateliê Nina Veiga, vivenciei inúmeros processos relacionado a esse tensionamento que resulta na escrita. Ou depois quando, junto à Luciana Aguilar e Nina Veiga, planejávamos as aulas de Políticas de Narratividade para a turma nova da mesma pós-graduação que eu havia sido aluna - mas, agora, seria docente.


O fato é que escrevo há muitos anos. Escrevo como algo intencional - essa coisa de se sentar em frente a algo e se colocar a pôr palavras porque simplesmente sente necessidade. Acho que faço isso desde meus oito, nove anos. Meus primeiros textos são dessa época. E, desde que minha escrita ganhou um corpo mais visível, mais palpável (como poemas e redações da adolescência), eu passei a escutar algumas coisas: "como você faz para escrever tão bem?", "nossa, você têm um dom, é bonito, né?", "ah, eu não sou inspirada desse jeito, queria ser", "como você é criativa".


Todos esses anos - já se vão 30, desde as primeiras linhas - me trouxeram uma intimidade com as palavras, sim, mas também algumas certezas: não acredito que a escrita seja somente para aqueles que têm um dom; não acho que somente técnica faça com que alguém escreva bem; também não é somente inspiração que faz com que um texto seja incrível; e a criatividade, definitivamente, não é um prêmio, assim como o dom, que a gente traz de um além mundo de antes de nascer.


Quando me sentei pela primeira vez para planejar o curso do Travessias, eu já sabia, de antemão, o que gostaria que as pessoas tivessem: uma experiência diferente na sua relação com as palavras; uma descoberta de seus próprios processos "disparadores" de sua escrita; uma intimidade com o modo das linhas serem preenchidas, de maneira que o processo fosse tão prazeroso quanto a leitura final; um caminho traçado por cada uma delas sobre si mesmas e como o mundo ao seu redor pode afetá-las para que a criação seja parte de suas vidas. Tudo isso é resultado dessa relação que tive ao longo dos anos e, também, com uma necessidade em observar o meu próprio processo e dos meus alunos.


Para dar corpo a tudo isso, fui buscar nos autores que me cercam para compor a parte teórica do curso. Eu não gostaria que o curso fosse somente aulas aleatórias de escrita, mas que também tivesse pensadores que me ajudariam a desenvolver as diversas ideias. Cito aqui alguns deles, pois a lista costuma aumentar com o passar do tempo. Jorge Larrosa e Walter Benjamin, relacionados à importância da experiência real - menos doxa (opinião), mais experiência. Gilles Deleuze e Felix Guattari vão aparecer em diversos lugares: devir, devir-mulher, imanência, literatura menor, entre outros. Gaston Bachelard e a sua relação com a matéria, o devaneio e a poética. Espinosa, Nietzsche, Roland Barthes, Tim Ingold, Rudolf Steiner. Suely Rolnyk, Virginia Kastrup, Margareth Rago, Virginia Woolf, Clarice Lispector. Todos esses amigos colaboram com a construção do curso. Ainda assim, o que fica visível para o aluno não são os nomes, as teorias, a parte maçante - o que fica são as delicadezas e o modo de compor o pensamento que todos eles nos trazem.


A ideia do curso sempre foi, desde o começo, propor outros modos de se escrever. Não exatamente uma "escrita criativa", ainda que se possa usar o termo. Mas uma escrita real, que não descola de quem se é, que não fica apenas em uma técnica vazia que não diz de quem a produz ("diz de" é muito diferente de "diz sobre"). A ideia foi, e é, que as pessoas primeiro façam "coisas", experimentam todo tipo de vivência - as significativas, as tolas, as cotidianas, as complicadas. Que vivenciando-as, se entreguem e se apercebam nessas vivências. E, então, passem a escrever - não uma descrição sobre o que se passou (mas também, se assim for), não uma série de regras sobre como dizer - mas um fluxo, uma construção sobre o fluxo, um modo de se dizer que é único, individual e que não se fixa permanente e necessariamente.


Ainda há muito o que se falar sobre as Travessias. Aqui, só um começo para entendermos de onde veio, como surge o pensamento que o compôs.


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