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Escrita e artes-manuais


Parece distante. O crochê e a escrita. O tricô e o caderno de versos. O fazer e a produção textual.

Esse lugar. Muitos séculos atribuído às mulheres. Mulheres fazem trabalhos manuais, mulheres não escrevem. Talvez, receitas. Talvez, diários. Possivelmente, cartas.

Ficou um buraco. Ficou um estigma. “Escrever é uma coisa e fazer artes-manuais é outra”. Quem disse?

Quanta poesia cabe entre o berço e o tricô do casaquinho? Quantas narrativas se passam ao se bordar uma miçanga? Quantas palavras surgem nos intermináveis pontos de uma costura?

A escrita surge, muitas vezes, da materialidade. A narrativa nunca se descola da vida viva, como diria Nina Veiga, - ainda que seja fantástica, a vida ou a história.

Agarrar-se ao lugar do menor - como as artes da casa, como a condição de ser mulher - e aproveitar todo seu devir. Deixar a negação para outros e afirmar: a vida, o cuidado, as palavras.

Meus textos são feitos de linhas, de farinha, de água e sabão. Colo lantejoulas na margem de uma existência poética.

Maria Gabriela Llançol, escritora portuguesa, ressoa dentro de mim:



8 de janeiro de 1979, segunda

Os braços trabalhavam, eu escutava as formas. Fazia pão. Mas no fundo de mim, fazia livro. Lavava então as mãos, por causa do óleo. Vinha escrever aqui, pensando que fazer pão era uma actividade favorável à minha escrita.
(LLANSOL, Maria Gabriela. Livro de Horas I – Uma data em cada mão. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009.)



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