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Escrever para desescrever


Quando uma pessoa escreve há muito tempo, pode-se ter uma impressão de que, para ela, a escrita seja algo fácil. A verdade é que, mesmo com a prática, escrever demanda muito trabalho para qualquer pessoa que decida fazê-lo, tendo experiência ou não. Óbvio que, de acordo com a prática, talvez o trabalho e o tempo dedicado sejam diferentes. Mas é um fato: escrever demanda trabalho.


Um dos aspectos que tem ficado mais evidente para mim, principalmente em textos mais elaborados - como os acadêmicos e as narrativas - é que escrevemos para desescrever. Parece um pouco absurdo, mas me explico. Existe um momento inicial, no qual ficamos rodando no lugar (igual aos cachorros, antes de se deitarem, sabe), pensando sobre o assunto, digerindo tudo o que queremos escrever (falei um pouco sobre isso aqui). Depois, sentamos e montamos um texto. Quando ainda não estamos familiarizados com a prática da escrita, tendemos a achar que o texto já está pronto nesse momento. Em pouquíssimos casos, um texto fica pronto em uma primeira escrita.


A fase seguinte é o que tenho chamado de desescrever. Justamente porque, ao voltar ao texto, fica evidente o quanto algumas ideias precisam ser mais desenvolvidas, o quanto outras podem ser cortadas e, chegando ao ponto, o quanto boa parte do que está ali será reescrito. Reescrever um texto não é - olha só - sinal de que falhamos, pelo contrário, é uma parte fundamental da prática da escrita. O texto pede que mexemos nele, pede revisão e um olhar atento. Com o tempo, inclusive, começamos a perceber quando um texto foi bem trabalhado, quando quem o escreveu debruçou-se inteiramente naquela escrita: as ideias estão articuladas, organizadas, há uma coerência e uma coesão.


Outro dia, a Débora Diniz disse, em uma live, o quanto a prática da redação na escola não colabora para compreendermos o que significa escrever. Existem muitos motivos nessas situações, e eu não estou querendo apontar o dedo para os professores, pois já estive no sala da escola e sei como as coisas funcionam. Mas o que quero trazer, pensando junto com a Débora, é que faz muito sentido o que ela pontua: na escola, precisamos escrever uma redação, fazemos em "uma sentada", entregamos à professora, ela devolve com a nota e os riscos em vermelho. E só. O que deveria acontecer na sequência seria a reescrita da redação, justamente para aprendermos como lidar com a produção textual. Essa etapa não costuma acontecer na escola, criando uma falsa impressão de que a gente precisa acertar o texto "de primeira". Talvez, por esse motivo, muita gente, ao receber a devolutiva de um texto, como em uma revisão ou em um trabalho acadêmico, fique extremamente ofendida, com a sensação de que não sabe escrever: na verdade, essas pessoas não estão acostumadas com a reescrita. Isso não significa que eu concorde com todo tipo de revisão e devolutiva.


A reescrita não acontece apenas com quem não tem experiência: ela acontece com todo mundo que escrever. Para vocês terem uma ideia, quando estou escrevendo um texto da dissertação, um artigo ou um conto, eu costumo reescrever muitas vezes, em torno de 3 a 5 vezes, pelo menos. Existem textos que exigem mais o desescrever, porque precisam estar muito claros, coesos, articulados, e existem aqueles que não precisam de tantas alterações. De qualquer maneira, trabalhar um texto depois que você escreveu não é sinal de que você não sabe escrever - pelo contrário, é sinal de que você está escrevendo!


É preciso um cuidado também. Há um limite do quanto mexemos em um texto: será que, depois de fazer tantas alterações, o texto ainda não está bom ou é nossa insegurança gritando mais alto? Mas isso é assunto para outro post, mas já falei um pouco disso aqui.


O que queria trazer para cá, hoje, é termos conosco a ideia de escrever para desescrever, sem se doer tanto, sem que isso pareça um ataque a uma habilidade de escrita.


P.S.: Dica preciosa - antes de fazer as alterações, de desescrever seu texto, salve uma versão diferente. Eu costumo nomear os arquivos de acordo com o mês que estou trabalhando, mas você pode escolher o nome que quiser. Assim, se você se arrepender de ter apagado uma parte que, mais tarde, te pareceu importante, você tem como recuperar!


Então, como tudo isso te chega? Que ideias você tem a esse respeito? Você costuma reescrever seus textos?



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