Uma das aulas do Travessias chama-se “Entre formas e formar-se”. É uma das mais longas, bem densa, mas é um das que mais gosto. Não pretendo trazer a aula para cá, mas um dos tensionamentos que proponho por lá.
Certo. Quando faço a pergunta do título, a resposta que dou, automaticamente, é que ela me aprisiona. Eu sou uma dessas desobedientes, detesto uma imposição. Olhando para minha resposta, gargalho de mim mesma, uma risada alta, demonstrando a incoerência da resposta: mentirosa!, você adora uma forma.
É fato ~ se não tivéssemos formas, seríamos nuvens ou rios ou gases neste mundo. Para estarmos aqui, é necessário ter uma forma: seria a nossa forma de humanos?
Ao mesmo tempo, não dá para nos reduzirmos a isso. Não dá para dizer que somos somente formas. Mais do que a forma humana, somos forças em constante transformação. Talvez, a prisão esteja em querer formatar o que seriam as forças.
Trago para cá esse assunto, pois me parece algo repleto de idealidades. É preciso dizer que forma, nesse texto, mistura tanto o sentido de modo de algo ser quanto técnica.
Uma das idealidades é que artistas são livres de formas, de caixinhas. Pode até ser que muitos não se encaixem nos moldes das sociedades em que viveram/vivem. Entretanto, isso não quer dizer que cada um não tenha criado, para si mesmo, uma forma. Além disso, desse “modo de ser” formatado, boa parte tem, sim, uma técnica de trabalho ~ um jeito para produzir seus textos, pinturas, atuar, compor etc.
Por que falo dos artistas? Porque costumo escutar pessoas dizendo que não podem escrever por serem muito “certinhas”.
Crio idealidades relacionadas à técnica em si. Ah, que chato escrever poesia com métrica, com rimas preciosas, números de versos predeterminados. Será? Quantos poemas maravilhosos não foram escritos seguindo à risca todas essas formas? Percebe?, mesmo parecendo um lugar repleto de regras, há uma beleza sem tamanho em poemas “não livres”.
Chego a um lugar tenso: alguns dos autores mais incríveis quebraram as formas das escolas literárias anteriores. Ainda assim, essas pessoas tinham, elas mesmas, técnicas muito específicas para fazerem o que fizeram. As escolas literárias das quais pertenciam também traziam suas regras, suas técnicas, suas próprias caixinhas.
Um outro ponto é que, algumas vezes, a própria forma pode colaborar para expressar toda nossa potência. Se o nosso melhor acontece ao desenhar quadrados, não faz sentido desistir só porque outras pessoas dizem que textos quadrados não devam ser escritos.
(P.S.: isso não significa que não possamos experimentar outras formas)
A verdade é que ainda que eu tenha vontade de ser nuvem, ainda que eu desejasse ser bem aérea, também sou feliz ao fazer tabelas de excel. Alcanço as colunas para escorrer nas linhas.
O tensionamento aparece aqui, novamente: não há problema nenhum em escrever seguindo uma forma, uma fórmula, se isso te faz escrever – se isso faz com que você aumente a sua potência. A questão é o quanto, ao prender-se a uma única forma, não estamos nos aprisionando ao invés de nos libertarmos – e, cuidado, porque, algumas vezes, a forma que aprisiona aparenta uma suposta liberdade.
Saí daqui e escrevi meu texto: como podemos nos limitar a este corpo físico tantas vezes?...