Uma vontade de fim. Houve vontade de começo?
O regatinho pingando, pingando. O riozinho nascendo. A vontade era pouca e foi crescendo. Encontrei espaço para criar margens largas, desapertei a escrita nesse rio.
Comecei a escrever. As ideias, as palavras – caindo sobre o papel como água de cachoeira. Tantas. Tromba d’água. Choveu na nascente. Não para. Eu podia falar. Posso escrever o dia inteiro. Aqueles afetos todos, aquelas “coisas” todas que estavam subterrâneas, brotando magicamente na ponta de meu lápis.
Tem dias que terminar texto é represar rio. Água imensa inundando tudo ao redor.
(Não pode ultrapassar. Tem que aproveitar a força, segurar ~ ir soltando as palavras
aos poucos). Tem dias que terminar texto é secar rio. Recolher toda sua
água ~ evaporar? Seria o texto a nuvem dos
atravessamentos escritos, evaporados para chover em outros espaços?
Tem dias que terminar texto é funeral. Acabar algo
que parecia ainda ter vida. Tinha tanto para dizer ainda, coitado do texto,
parece ter morrido antes da hora. Mas está ali, findado, sendo
velado pelo autor, agarrado às mãos gélidas do texto frio, indo para qualquer
lugar distante.
Tem dias que terminar texto é levar a visita à estação de trem. Despedimo-
nos alegremente pelo tempo junto ~ agradecendo não só pelos dias de
convivência, mas pelos dias que virão (ufa, achei que não ia embora nunca).
Acenamos ao texto ~ já sentado lá dentro, em seu lugar ~, enquanto pensamos no
tempo sofrido, mas prazeroso, de sua estadia.
Teria eu dito tudo? Deveria eu ter dito tudo o que disse? Será que havia
mais a ser dito? Ou seca ou encharca. Nunca suficiente.
Pausa para momento teórico
Parece maluco: a gente nunca sabe como começar ~ e nem nunca como terminar. Tipo criança: demora para entrar, demora pra sair.
Se o texto é informativo, teórico, técnico, não literário, antes de pensar começo-fim, sempre sugiro uma organização das ideias. Uma lista, um mapa, uns rabiscos que contenham as ideias principais.
Talvez, eu pudesse sugerir o mesmo para os textos literários. Mas que coisa chata seria. Até para os textos não literários isso é chato.
Existe limite para a criação? Parece que sim.
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Lembro-me do Pessoa como Álvaro de Campos em LISBON REVISITED (1923).
A técnica parece ser importante. As margens para o rio. Rio parece precisar de margem. Parece. Precisa. Precisa?
Algumas vezes ~ ou seria a maioria das vezes? ~ técnica deixa de ser margem e torna-se rio represado, acimentado, canalizado.
Texto canalizado. Um dia transborda. Texto a alagar tudo a seu redor.
Se o fim do rio é o oceano, qual é o mar do texto?
que texto lindo! bem isso mesmo o que sinto. O mar do texto talvez sejam os leitores ... talvez ...