Semana passada, terminei uma manta de tricô. As minhas mãos, desde então, ficaram ansiando por algum movimento.
Tenho estado em lugares muito rígidos, em que a leitura e a escrita não parecem criar espaços para que nossas próprias linhas apareçam. Tricô~fuga é o nome que darei à nova peça, começada há três dias. Ou, talvez, tricô~pesquisa. Ainda não tenho certeza.
Enquanto iniciava pela quarta ou quinta vez meu tricô~escape, me dei conta de algo. O caminho que faço nesses momentos é, quase sempre, o mesmo. Como é uma técnica que não domino muito, costumo buscar receitas pela internet (sim!, eu sei, tá vendo?, eu também sou adepta a receitas). Escolho um fio, um tamanho de agulha e procuro uma receita mais possível para o quanto sei. Preciso dizer do cansaço de somente fazer ponto meia, ponto tricô, interminavelmente. Ando buscando receitas um pouco alternativas. A última era bem gostosinha: tricô, dois pontos juntos, laçada, dois pontos juntos, laçada ~ tricô cheio de espaços.
Começo bem “presa” à receita. O resultado vai saindo um pouco desengonçado ~ perco pontos, coloco outros a mais, aperto uns, afrouxo demais outros. Desmancho e começo de novo. Outra vez, os pontos não ficam bons, desmancho novamente. Talvez, seja o fio. Troco. E tento mais uma vez. Talvez, seja a receita. Vou nesses movimentos de desmanchar, trocar e recomeçar algumas vezes, até que tenha me apropriado da receita, do ponto, da técnica. Dessa vez, escolhi receita bem complicadinha, dessas que exigem uma atenção maior do que eu gostaria, tricô~acadêmico?
Ali, entre fazer e refazer, nesses últimos dias, pensava nos processos de escrita, pensava em minha pesquisa de mestrado.
As artes-manuais sempre deixam claro, para mim, o que é o processo. Escancaram a ilusão do desejo pelo pronto, imediato e dado. Seja no crochê, no tricô ou momento da escrita, esse experimentar, desmanchar, refazer, parecem ser fundamentais para a produção de algo feito ponto a ponto, linha a linha.
Me dou conta do quanto, muitas vezes (nem todas) é necessário esse desfazer(-se) para apropriar-se e, assim, tornar possível um inventar(-se). Desfazer não é sinal de fracasso. Trocar os pontos não é sinal de erro. Ao contrário, é produção de possibilidades e exige de nós não somente uma abertura, mas uma certa disposição para lidar com os muitos fios (e nós e buracos e pontos a mais e pontos a menos) surgidos nessa fase, no início.
Percebo os nós de minha própria pesquisa, ainda na primeira carreira de pontos, em uma receita da qual ainda não me apropriei. Enxergo a dificuldade que muitos de nós temos em colocar os primeiros pontos na agulha, as palavras nas linhas. Como produzir uma escrita que flua, de uma agulha para a outra, e abra espaços para que possamos estar junto a ela?
Hoje em dia, tenho feito tricô como um modo de não me endurecer pela escrita acadêmica, como linha de fuga. Queria tricotar texto também ~ acredito que o exercício de escrever semanalmente neste blog é esse. Escrever textos~manta~de~tricô capazes de aquecer os leitores, com bastante ar entre os pontos, com a possibilidade de vivenciar as durezas acadêmicas de outros modos, em que seja possível um pesquisa~escrita~manta.
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