O texto a seguir foi escrito pelas alunas do Travessias, em outubro de 2020, a partir de palavras soltas.
Escrevo no desejo de silenciar...
Aquieto-me e percebo a palavra que me habita...
Algumas vezes ela se deixa imprimir em verso, verbos cheios de sentido. Outras vezes ela me escapa entre as margens do papel.
[Outras vezes é no avesso de tudo que brota algum sentido.]
Momento daquilo que estava guardado, não se sabe onde nem o porquê, se apresentar ao mundo.
a minha conexão falha. vozes de amparo saem de um túnel. ouço pessoas que não vejo e então escrevo. reencontro-me no outro. agora somos um fio-sentido. juntamos palavras aleatórias, recuperamos o esquecido, afrouxamos os nós. escrever é um caminho que vai se desmanchar no peito de alguém, algum dia.
Escrito que nasce do encontro e que vai ao (s) encontro (s).
Um fio de escrita que começou com vários pontos finais. E veio o ponto de interrogação. Que abriu caminhos, que foram cardados e fiados e ordenados em palavras, que foram para o papel. E teceram histórias.
A palavra escrita me liberta
“todo dia... melhor que tudo”
olhar menos rigoroso.. mais leve pra mim mesma..
e assim botar pra fora toda a poesia que insiste em garrar moradia num peito querendo ficar aninhada, mas a vida é estar lá fora às vezes à deriva. VIVA.
Quando acordo e me olho no espelho, quando, outra vez, faço o caminho de volta pra casa, quando misturo água e fermento.
Como pode a mão que amassa o pão, pinta a aquarela, tece no tear criar histórias? Como a experiência não ser ex, externa e não ser uma viagem: fora - dentro - fora no papel? Só experenciando …
Cria histórias e escreve com o corpo inteiro e inteiro no corpo.
Permito-me
Megafone – “soltar a voz”... caminho…
o levain se multiplica em bolhas, juntando com a farinha e a água, eis o pão.
[gesto, observação, processo. Quase uma alquimia que mistura farinha e água e transforma em aroma, nutrição e afeto.]
percebo então que a poesia estava toda, inteirinha no dentro.
quarentextos crescem e são compartilhados em pequenas porções de fermento-poesia.
Amassar o pão. Tocar a terra. Cheirar o bom e o mau odor. Ouvir. Ouvir o outro falar. Ouvir o ressoar de tudo isso em nós. E escrever sobre isso.
Toco o que é possível sentir além
Desafio... desapego.... possibilidade... invenção.... multiplicidade
E por que não posso me deslocar? Por que ficar no mesmo lugar? Seria este deslocamento alguma forma de sentir dor?
se for para melhor, que doa. E fazer com a dor.
O cachorro vai passear com seu dono usando uma guia. A criança pequena está no mercado com a mãe e segura na sua mão. E nossa mente, como deixá-la presa à mão que escreve? Tem como passar pelo coração para não deixar a escrita tão formal e acadêmica?
Descolar-se é impossível, as palavras são espelhos, retratos que nos abraçam
ancestralidade/sintonia-batidas do coração/ memórias... luta e resistência...
hermanos (povos latinos, povos africanos)→Tambor Mineiro, Marku Ribas,
Maurício Tizumba
A parte mais difícil. Parar o que se faz, olhar para dentro e escrever. Escrever com a mão molhada, com farinha, suja de terra, no banheiro, na cozinha, sala, quarto. Dá para escrever fazendo amor? Aí não, né, professora Sofia! [gente, não dá ideia!]
...da superfície para a espessura....
... invenção de personagens para mim mm...
atravessar, cruzar, furar, perfurar, passar, transpassar
impossível é navegar e não ter vertigem. embarco.
A palavra mais esquisita e fora do meu cotidiano deste Curso. Para mim, o que atravessava era faca, raio de luz vindo da janela, cachorro atravessando a rua … Palavras? Sentimentos? Ações, sensações? Atravessa o que? Um corpo-narrador?
Através do avesso, avessar-se, ver por dentro, tocar-se
provisoriedade....
Quando chego no mundo, quando o mundo me adentra.
lembro de dizer sim.
abro a casa,
convido pra jantar,
tomo vinho na varanda,
ponho música pra tocar.
sou pouso leve depois de tanto ar
Tijolos da comunicação. Constroem caminhos e pontes ou são lançados no ar e nos acertam, machucando. Cuidado!
Potência
crochê, pão, bordado, crochetar, panificar, bordar
Teço um texto, linhas, agulhas… Palavras que bordo com agulha e linhas invisíveis
que me prendem
ao grande Tear da Vida!!!
escrever... é como te lembrar que estou viva e bem.
como contar um segredo ao pé do ouvido: hoje eu escrevi um poema pra você
Não tem obrigação, mas tem “lição-de-casa”, “coisas” para fazer. Não dá para entrar nessa Travessias e ficar sem fazer nada. Entrou na chuva, venha se molhar, cantar, dançar … escrever-se.
ação que movimenta a vida em suas rotas
precisa ser bom ao toque, precisa se confortável quando pega, precisa ser agradável ao cheiro,
tem silêncio. tem recuo das conclusões, o poder de uma pergunta aberta, ressoa… ressoa… ressoa...
Instrumentos. Fogão, panela, colher de pau, comida. Tesoura, pano, agulha, linha. Tijolo, cimento, trena. Papel, lápis, caneta, escrita. E as cores? Você escolhe como colorir o mundo.
material para a materialidade
Somos todos feitos e efeitos de linguagem, meu corpo habita e é habitado por meus próprios sons. Fazer esse trabalho de narrar-ativo é narrar-a-dor das palavras presas em mim. Na experiência da escrita, invento uma ponte por essa antiga trilha sonora que me compõe, então posso fazer a travessia do lugar de onde penso para onde sou.
Aquilo que nos leva ao encontro do limiar, é preciso ter coragem para atravessar…
outro dia sai sem rumo. mas me levei a sério.
Ninguém entra em um avião, ônibus ou barco sem saber seu destino final. No Travessias, achei que meu bilhete tinha sido bem detalhado de onde saia e onde chegaria. Estava segura. Não entendia o percurso e tinha vaga ideia do que queria. Precisei me soltar de tudo, de toda certeza, conhecimento, preconceito. Vazio. Amplidão. Eu. Eu e meus escritos de mim. Estou a caminho e as velas do meu barco estão soltas e o vento que escolho é o que me levará lá, onde todos vamos chegar um dia. Ao centro de nós mesmos.
é o que somos

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