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Sofia Amorim

Escrita técnica, escrita intuitiva e escrita criativa

(por aqui, vou conversando com você, leitora, leitor.

Enquanto escrevo, vou quebrando as partes mais densas com nossa conversa)


Tenho visto a palavra escrita associada a outros termos, como escrita criativa, escrita técnica, escrita intuitiva. Aqui mesmo, no Travessias, já usei algumas delas. Ao aparecer junto a outros termos, colabora-se para uma classificação de diversos "tipos" de escrita. Não quero me colocar contra classificações (até porque, sou filha de sistematas), mas gostaria de questionar alguns pontos, mostrando algumas contradições, e trazer um tensionamento para isso. O ponto é ~ já antecipo ~ como esses termos colaboram com a nossa produção escrita? Como essas definições nos afetam, aumentando nossa potência (e nos fazendo felizes com nossa escrita) ou a diminuem (nos trazendo um sentimento de infelicidade com nossas produções)?



Pessoa segurando lápis em cima de um caderno pautado, sem nada escrito, e com cascas de lápis apontado
Imagem de @thoughtcatalog

A lista que coloco a seguir não é precisa, não contempla todos os "tipos" de escrita e vem mais de uma percepção minha do que de algum manual. (Uso o termo "tipo", pois não gostaria de discutir os diversos gêneros textuais, acho "tipo" uma palavra mais abrangente).



Escritas o quê?

Geralmente, associam-se as mais formais, como a escrita acadêmica, os manuais, os livros científicos, jurídicos, administrativos etc. a uma escrita técnica.


A literatura, os posts em redes sociais, a publicidade, os quadrinhos, as letras das músicas, por exemplo, costumam ser considerados como uma escrita criativa.


Os textos mais fluidos, mais espontâneos, como alguns textos literários, algumas músicas, são vistos como uma escrita intuitiva.


Mais uma vez: essa divisão que eu trouxe até aqui vem mais do que tenho visto e ouvido por aí do que de um estudo formal.


(Vocês conseguem perceber essas diferenças?)


Há diferenças entre essas ~ e outras ~ escritas? Sim, obviamente, há muita diferença entre elas. Essas diferenças têm um sentido, um propósito. No entanto, acredito que há muita confusão também.


Primeiro, como coloquei alguns parágrafos atrás, podemos nos perguntar como a afirmação dessas escritas nos chegam, nos atravessam. Elas fazem sentido, elas nos ajudam a enxergar "melhor" nossos textos ou elas nos adoecem, tirando de nós toda nossa vontade de escrever?

Segundo, as confusões. Essas palavras, na verdade, carregam algumas semelhanças: ao olharmos para elas mais "de pertinho", percebemos que, com o tempo, o seu uso mudou o sentido original, alimentando certas idealizações.


Trarei aqui os significados e a etimologia de algumas delas.



É tudo tão diferente assim?

A palavra técnica, certa maneira de realizar uma ação ou um conjunto de ações, vem do grego ~ techné ~ e, originariamente, significava "arte, técnica, ofício". Já a palavra arte, muito associada à criatividade, se origina no latim ~ ars ~: técnica ou habilidade; o seu significado, entretanto, é muito amplo e pode ter muitos sentidos, dependendo do lugar, da época, da cultura, da sociedade que a utiliza. Mas, olha só, arte e técnica, em seus sentidos originais, podem ser consideradas sinônimos!


(Segura aqui um pouquinho esse pensamento que já volto nele)


Quando nos deparamos com a palavra intuição no dicionário, o seu significado está relacionado a um conhecimento imediato (no sentido de que não há uma mediação) ou a uma percepção que não passa pela lógica (não é mediada). Sua origem remota ao verbo latino intueor: olhar para, contemplar, considerar.


Vou construir uma ponte ~ talvez bem movediça ~ entre a lógica e a norma. É muito comum usar a lógica (e a técnica) com o mesmo sentido de norma e acredito ser este o ponto do texto: lógica e técnica são conceitos muito diferentes de norma. Norma significa, entre outras definições, algo relacionado à regularização, a um padrão; e ao buscarmos a origem do termo, descobrimos que, no latim, era um esquadro de carpinteiro. São três conceitos distintos, mas que podem estar associados ~ a gente precisa de uma lógica para normatizar algo, utilizando-se de uma técnica, por exemplo.



Uma jovem escreve em papel, em frente a um notebook
Imagem: banco de imagens do Wix

Já o termo criativa vem do verbo criar, do latim, creo: produzir, crescer ~ ao criarmos, produzimos algo, formamos algo. A pessoa criativa seria alguém que produz, dá forma na área em que está atuando.





As mesmas coisas, olhares diferentes. Ou coisas diferentes para um olhar

Proponho mesclar todos os sentidos e perceber se é realmente necessário separar todos os tipos de escrita ~ principalmente, atribuindo um valor a cada uma (qual vale mais?).

Criamos expectativas ao invés de criarmos galinhas: estabelecemos um ideal de texto a ser atingido ao terminarmos a escrita.


(Traz aquele pensamento de novo, é aqui que volto com ele)


Queremos um texto criativo, mas, ao invés de olhar para ele como resultado de um processo único, nós o comparamos com outros textos e, tcharã!, criamos uma norma do que seria um texto criativo! Ora, se ele é uma criação, ele é único, não é possível compará-lo com nenhum outro.


Para os diferentes lugares, há diferentes usos e diferentes técnicas: existe um vocabulário específico, um formato, normas específicas. A questão é: como, a partir desses pontos, não descolar do que se é, mesmo em contextos muito específicos? Quando se escreve uma lei, ou um manual, por exemplo, existe toda uma norma de como se deve fazê-lo. Esses são textos de difíceis possibilidades para fugir da norma.


(mas... sempre há modos de se fugir da norma, obedecendo as regras)


Entretanto, em muitas outras áreas, é possível trilhar alguns caminhos que possam nos tirar desse tensionamento. Quer dizer, como ser criativo, deixar nossa intuição falar, até mesmo em textos normativos (ou técnicos)? Ou como perceber que até mesmo no uso da intuição ou da criatividade, também existem técnicas?



É por aqui. Ou é por ali. Mas pode ser também por lá.

Algumas pessoas começam por deixar tudo fluir. Escrevem todo o texto sem se preocupar muito com as normas, com as regras. Depois, voltam e, enquanto releem, vão esculpindo o texto, moldando conforme as normas pré-estabelecidas. A partir de uma experiência, por exemplo, ou enquanto faz outras coisas, como lavar a louça, vamos elaborando, digerindo tudo o que está sendo dito. Depois, frente ao papel, anota todas as ideias que teve para, então, escrever o texto já dentro das regras.


Por outro lado, há pessoas que partem dos textos mais formatados e, depois, vão trazendo outros elementos que quebrem algumas das normas. Ao escrever um texto acadêmico que siga as normas da ABNT, por exemplo. Com as ideias mais ou menos já organizadas, tal como um sumário, escreve-se o texto para, depois, observar como deixá-lo mais com a cara de quem o escreve.


(percebem como esse assunto pode ser denso e, ainda assim, encontrarmos possibilidades?)


Esses caminhos não são excludentes, muitas e muitas vezes, eles podem se cruzar. O pensamento sustentador é daquilo que funciona melhor para quem está escrevendo no momento. Tudo vai depender do momento de cada um, do tipo de texto que está sendo escrito, qual a flexibilidade que aquele assunto e aquela forma permitem.



Às vezes, é o que é

Por fim, mas não menos importante, é que criamos alguns preconceitos, alguns julgamentos. Ou aquele texto é careta demais, ou é criativo demais, ou é isso e aquilo e aquilo outro. Passamos a nos comparar, a negar os modos em que o texto melhor flui para nós. Tem gente que escreve no absoluto silêncio e suas produções são muitos descontruídas, repletas de regras quebradas. Tem gente que, no caos, redige como se fossem tabelas do excel. Ao invés de implicar consigo mesmo, aceitar seu jeito único de escrever. Isso não significa deixar de tentar outras coisas, mas, a partir de quem somos, experimentarmos o novo, sem se negar. Percebendo como cada tipo de escrita lhe atravessa.


Alinhados verticalmente, da esquerda para a direita: uma régua, um lápis grafite, um lápis branco, uma caneta gel branca, uma caneta grossa branca e um pequeno pedaço de papel com folhas desenhadas em branco
Imagem: Banco de imagem do Wix

Se a escrita descolada da norma lhe aflige, por que se impor o que lhe parece caótico? Escreva nas normas, depois exercite as quebras, dentro da sua própria possibilidade. Se a escrita normativa lhe consome e você precisa escrever um artigo, escreva do jeito que vier e, depois, coloque somente o necessário para que o artigo seja aprovado.


Viver na tensão, sem ser consumida por ela. Experimentar o mundo, sem tomar veneno.

Tantos parágrafos, tantas palavras, tudo isso para dizer que, ainda que haja diferenças entre os diversos “tipos” de escrita, as semelhanças podem nos trazer um refresco e colaborar para que o momento de criação do texto não seja um tormento.


(O texto pede um certo rigor: explicar, para que o outro se aproxime dessas ideias. Um modo de torná-lo leve – a conversa. Assim, compor com as regras, as técnicas, e continuar criando)





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