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Matar as musas – de onde vem a inspiração

Você já se perguntou de onde vem a inspiração? Eu vivo me questionando sobre isso: um lugar onde a idealização parece habitar fortemente em mim.


Conversava há algum tempo com uma amiga sobre como, quando estou encantada com algo, as palavras simplesmente pulam de mim, invadindo o papel sem pestanejar, sempre com procurando uma musa. Ela me sugeriu matar as musas: encontrar maneiras de escrever sem precisar de inspiração externa. Isso foi bem doído de ouvir: como assim, matar as musas? Resolvi pesquisar um pouco mais sobre as divindades que nos trazem a inspiração.

estátua grega
Quais são as musas que te inspiram? (Imagem by Vlad Kutepov, Unsplash)

Fui investigar quem eram, o que faziam, como faziam. Como sempre, há diversas fontes e muitas histórias. Primeiro, pesquisei as gregas, de onde a palavra “musa” vem ~ e dela derivam “música” e “museu”, uma curiosidade. Depois, fui procurar outras deidades e deusas e deuses relacionados à arte, à música, à dança e à poesia. Em quase todos os lugares do mundo, sempre há uma divindade relacionada à expressão artística humana; alguns são deuses de criação, outros da dança, em muitos, relacionados ao contar histórias ou à escrita.


Eu não queria matá-las, sabem? Não sabia exatamente o porquê de não querer isso ~ se era apego a um ideal ou se eram outras questões que ainda não tinha percebido.


Enquanto pesquisava, um outro olhar sobre o que é inspiração foi se revelando. Independente da região do mundo, a invocação a uma divindade, principalmente, em épocas mais antigas, é muito distinta do que temos em mente hoje em dia. Gostaria de pensar para além desse modo separado ~ humanos/divindade ~ com o qual estamos acostumados a enxergar o mundo. Evocar divindades estava muito mais relacionado a uma prática do que simplesmente a um ritual vazio.



várias velas pequenas acesas
Quais são as práticas que temos para "favorecer" a inspiração?

Em diversos lugares, para que a inspiração ocorresse, era necessária uma prática prévia: a meditação (não exatamente sentar-se em silêncio, mas, sim, uma atenção, uma observação, uma prática), a memória e o canto. As deidades inspiravam conforme a prática de quem as chamava. Evocar fazia parte de um conjunto de ações que preparavam xamãs, pajés, contadoras de histórias, poetas para um momento especial, criando uma relação entre ser humano~divindade~ação. Não era somente se sentar e esperar que o divino “aparecesse”.


Trago um questionamento: são os acontecimentos externos que nos levam a escrever (como o aparecimento de uma pessoa especial ou um acontecimento único) ou seria a criação de uma prática/um modo/uma rotina que nos ajudam a nos sentir inspirados?


Ao fazer essa pesquisa, pensando na proposta do curso do Travessias, percebo o quanto a inspiração está relacionada a uma mistura desse fora/dentro: desenvolver uma atenção às vivências cotidianas, criar oportunidades para momentos em que estamos presentes e abertas; e, internamente, praticar o exercício de observação de si mesma, cultuando também o exercício da memória, fundamental para a prática da escrita.


O exercício, então, não seria matar as musas ~ realmente, não consegui matá-las ~, mas parar de esperar que as deidades “apareçam do nada”: seria algo como “nós trabalhamos daqui, elas trabalham de lá”, em uma troca entre humanidade/forças divinas.


De fato, é mais fácil escrever quando temos um objeto externo onde projetá-lo. Entretanto, não é sempre que encontraremos tal objeto para que possamos escrever. Ficaríamos, então, sem escrever linha alguma por esse motivo? Ao invés de procurar um único ser inspirador, criar múltiplos ~ diluir, pulverizar, espalhar a vontade de único.


Ao estarmos atentas à nossa relação com o mundo, ao estabelecermos uma prática de atenção, memória e voz, parece ser mais possível transformar qualquer coisa (sem querer ofender nenhuma divindade) em matéria de inspiração.

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