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Textos em Travessias: O Vento Que Move o Evento Com Seu Movimento, Márcio Lugó

Teodoro tinha medo, mas mesmo assim conseguiu um resultado brilhante. Pelo menos, pra ele. Era arquiteto e, apesar dos poucos anos de experiência, já tinha feito vários projetos ousados. Sua assinatura era a de ter ambientes abertos com grandes janelas, não simplesmente para entrar luz, mas também para passar o vento. Teo acreditava que, com o vento, vinham os novos ares que traziam mudanças na vida dos moradores. Era um jeito de trazer movimento até para as pessoas mais desanimadas com a vida, que haviam passado por momentos difíceis e achavam que a única solução era a de ficar cravadas na terra como um pilar de sustentação escondido entre os tijolos das paredes. No universo da arquitetura, isso lhe rendeu o apelido de “O inventor dos ares”.


Dessa vez não seria diferente, aceitou a missão de refazer a nova casa de Vicente, um amigo de longa data, que tinha voltado para a cidade em busca de um novo começo. Vicente havia ganhado muito dinheiro nos últimos meses, a pandemia foi piedosa com seu negócio, porém, mesmo assim, se sentia estressado, desanimado e triste, precisando ventilar as ideias. Foi aí que lembrou de Teodoro e o contratou.


Foram semanas de pesquisas, tentando entender a relação que Vicente mantinha com seu ambiente, os fluxos, as correntes de ventos da região, quais paredes poderiam ser arrancadas e dilaceradas, formando os mais amplos e belos corredores de ar para dar passagem aos ventos do sul e, quem sabe assim, se juntarem aos seus parceiros do norte, ajudando-os enfim a moverem moinhos. Essa era a sua especialidade, tornar o olho do furacão um lar.


Meses depois, o projeto estava concluído. Como nunca havia feito antes, a sinfonia dos ventos cantava em todos os cômodos de forma esplêndida. Aquela casa tinha cada andar inspirado em uma cultura eólica diferente. No primeiro andar, os ventos corriam soltos, no segundo, dançavam até cansar para, no andar mais alto, no quarto de leitura, poderem descansar. Lá, havia um grande copo vazio, que guardava um pouco de cada vento que passava pela casa. Um suvenir inesperado. Apesar desse resultado incrível que só um verdadeiro maestro dos ares alcançaria, Teodoro não conseguiu ajudar seu amigo. O amarelo do copo que guardava os ventos refletia, dia após dia, o semblante cansado e, agora também, descabelado de seu não tão mais amigo, Vicente.


(Texto escrito por Márcio Lugó, para aula do Travessias Textuais)



Image by Alistair MacRobert

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