Maio de 1850
Está terminado. Não posso negar sua beleza. Está muito bem feito e acabado. É um lindo vestido. No entanto, não o vejo com bons olhos. Imagino meu corpo preenchendo seu espaço interno enquanto caminho até o altar. Um caminho sem volta. Um caminho sombrio. Não sei o tipo que me espera ao fim do tapete vermelho da igreja. Sei que é um homem de posses, bem educado, bacharel, filho de barão do café. Por isso foi aceito por meu pai..., mas isso não diz o tipo de marido que será. Parece bom moço, mas não encontramos afinidades. As conversas são curtas, o assunto é pouco. Os passeios no jardim silenciosos e solitários. E se não for o tipo que se mostra? Talvez se faça de bom moço para garantir o dote. Que tipo de marido será? Que tipo de esposa serei? Que tipo de família teremos? Hoje, o que desejo é não ser esposa de tipo algum! Me obrigam a abandonar o título de boa filha concedendo-me o de esposa. Por que não posso ser eu mesma? Apenas Alice?
Maio de 2021
Um ano e dois meses de quarentena aqui no Rio. Um ano em casa, já. Tá foda! Aproveitei que Júlio saiu pra fazer compras e coloquei meu vestido sobra a cama. Faço isso as vezes. Foram tantas provas, tantas alfinetadas a frente do espelho... e ele ficou aqui guardado no armário. Ele é lindo, mas o que sinto quando olho pra ele não é, não mais. Cada vez que o tiro do armário tenho menos vontade de usá-lo. Cada vez que o ponho sobre a cama tenho mais vontade de rasgar tudo em mil pedaços, tacar fogo, sumir com ele.
Sei lá! Me dá nervoso quando me imagino caminhando sobre o tapete vermelho do salão. Todo mundo me olhando... Júlio me aguardando com cara de bobo... coitado, apaixonado! Sonhamos tanto com isso, eu e ele. Agora... acho que se a cerimônia fosse hoje eu não conseguiria... sairia correndo!! Maldito corona!!! Se não fosse ele teria entrado feliz naquele salão. Estaria completando 1 ano de casada. Estaria feliz! Não teria dado atenção a essas dúvidas. Duvidas! Cara, eu to em dúvida! Sempre tive certeza que amava Júlio! Merda! Agora não sei mais...
Maio de 1850
Após um passeio mudo pelo jardim ele quebrou o silencio. Desconcertado e medindo as palavras disse que pensava em romper o noivado. Embora surpresa, não pude negar o alivio quando suas palavras atingiram meus ouvidos. Pela primeira vez tivemos uma conversa sincera, sem roteiro prévio. Concordamos que as barreiras entre nós eram imensas e que nenhum de nós estava disposto a quebra-las. Rompemos, para desgosto dos nossos pais.
Mostrando-me desolada após a suposta rejeição, convenci papai em me permitir uma temporada em Paris. Tendo seu irmão como embaixador na capital francesa, viu-se impelido a aplacar o sofrimento de sua única filha.
Nos demos muito bem! Paris e eu! Algumas semanas depois estava completamente adaptada ao inverno parisiense. Sentia como se fosse minha própria cidade Natal. Foi então que o inesperado aconteceu. Avistei a silhueta de um homem caminhando em minha direção e me chamando pelo nome. Levei um certo tempo para reconhece-lo. Estava diferente, tinha um brilho em seu rosto e trazia consigo uma leveza e um sorriso que nunca nos acompanharam em nossos passeios nos jardins da casa de meu pai. Ao que parece, pensamos no mesmo destino a fim de abrandar nossa decepção amorosa.
Após o reencontro, descobrimos que havia muito mais em comum entre nós além do destino. Temos gostos e opiniões bem semelhantes. Me pergunto porque não percebemos isso antes. Seria Paris a responsável por notarmos só agora? Talvez. Ele diz que o peso do compromisso imposto por nossos pais serviu como venda a nossos olhos. Não posso discordar, uma vez que meus olhos nunca tinham contemplado sua beleza, agora tão explicita.
Não demorou muito para firmarmos compromisso. Voltamos ao Brasil, nos casamos e estou aguardando seu retorno de uma breve viagem para anunciar minha gravidez.
Destino, eis a peça que nos pregou!
Maio de 2021
Convenci Júlio a desistir da cerimônia. Não tem clima. Ele concordou que celebrar no meio de uma pandemia não é mesmo muito simpático. Mal sabe ele q meu motivo é outro. Mas não consegui terminar. Eu quis, mas não deu. Merda! Me sinto empacada como uma mula. Nada anda. Nem pra frente nem pra trás! Não posso tomar nenhuma decisão agora. Até porque não tenho certeza de nada. Não vou dar uma de louca e sair jogando tudo pro alto. Por mais que eu queira. Ah, Tantas certezas, tantos planos... aí vem o destino, como dois caras numa moto, dá dois tapas na nossa cara e rouba nossos planos. Merda de destino!
(conto escrito por Caroline Peixoto, para aula do Travessias Textuais)
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